19 de set. de 2010

Momentos Esquecidos




Dois dias se passaram. Nada dela acordar. Estava nervoso, meu coração congelado. O medo de nunca mais vê-la sorrir assombrava todos os órgãos. Sentia-me sozinho naquele corredor enorme do hospital. Meu irmão gêmeo sentado ao meu lado parecia mais uma sombra do que alguém tentando me acalmar. Ignorava a todos. Lembranças do acidente atormentava meu pensamento. Não esquecia da imagem dela sentada no banco do carro, de olhos fechados, parecia morta. Não estava. O médico disse que ela poderia acordar a qualquer hora, ou não. Poderia haver consequências, ou não. Estava ficando louco com tantas incertezas.
O doutor apareceu no corredor e disse que Natalie estava acordando e que seria bom se eu fosse a primeira pessoa que ela visse. Meu coração saltou. Sem pensar duas vezes, fui até o quarto. Sentei ao seu lado e fiquei olhando-a abrir os olhos. Sorria por fora. "Natalie" falei baixinho. Ela olhou para mim e com os olhos arregalados disse: "Quem é você?". Meu coração gelou. Como assim? Ela não me reconhecia? O médico entrou na mesma hora, perguntando como ela está. Pediu para eu sair rápido quando ao perguntar à ela em que ano estávamos e ela respondeu 2000. Fiquei aflito. O que houve? Bill olhou em meus olhos e logo percebeu que tinha algo errado. Me abraçou e permitiu que eu chorasse em seus ombros. Suspirando e dizendo que ela não sabia quem eu era. Namorávamos há sete anos e ela não me reconhecia. Isso simplesmente não entrava na minha cabeça.
"Tom, ela sofreu uma pequena perda de memória. Seu cérebro voltou para dez anos atrás. Na maioria dos casos, a memória volta. Pode demorar dias, meses ou anos, mas normalmente volta." Tentava assimilar o que ele dizia, mas não conseguia. Simplesmente, não aceitava o fato que ela tinha esquecido todas as coisas que tínhamos passado juntos. Todas as horas sorrindo, brincando, dançando e discutindo. "Você poderia estimular que essa memória voltasse". Perguntei como e o médico sugeriu que eu a levasse a lugares que a marcaram durante esses anos. Entrei no quarto, receoso e ansioso de vê-la. Ela me viu e sorriu. "O médico disse que eu perdi a memória, então desculpa se não te reconheço" disse com toda a simpatia comum que tinha. "Disse que estamos em 2010. Duvidei até ele ligar a televisão." riu de si mesma. Ela conseguia aceitar isso na boa, mas eu não. "Tudo bem". Foi a única coisa que consegui dizer ao sentar ao seu lado. "Há quanto eu te conheço?" perguntou, olhando para o meu rosto. Tentava me decifrar, conhecia esse olhar. "Sete anos. Faz um ano que casamos." Fez cara de surpresa e riu-se. "Ah, não acredito. Você é bonito demais para ser meu marido." Ficou séria, de repente, e sussurrou: "Deve estar sendo difícil para você". Sim, estava sendo muito difícil.
Saímos do hospital. Eu, ela, sua mãe e sua tia. Íamos todos para minha casa. A semana foi difícil. Não conseguia ser a mesma coisa, raramente conversávamos sem ficar com vergonha um do outro. Mesmo com todas as complicações, estava feliz que ao menos estava viva. Continuava tendo tudo que a antiga Natalie tinha. Ria das mesmas coisas sem graça. Irritava-se com as mesmas coisas. Era a mesma pessoa. Resolvemos viajar para todos os lugares que íamos juntos. Fomos para a Alemanha, onde eu morava, depois íamos ao Brasil e por último, Estados Unidos onde ela trabalhava. Seu chefe, sabendo da situação, deu um tempo de férias para ela se recuperar. Não tinha data para voltar, mas ambos sabíamos que ele não esperaria para sempre. Era Julho e na Europa estava quente. Descemos do avião e o Bill me esperava. Comprimentos a parte, entramos no carro. "Sinto como se fosse a primeira vez que piso aqui". Disse, admirando as ruas pela janela do carro. "Mas é, praticamente, a primeira vez", retruquei sorrindo levemente. Ela riu e olhou-me "Quando foi a primeira vez que vim aqui, Tom?", perguntou. Não contei de como nos conhecemos, nem nada disso. Queria que ela se lembrasse. "Eu te dei de presente de aniversário aos 18 anos." Respondi, olhando para a janela em seguida. Lembrando do dia que chegamos há seis anos. Ela estava encantada com a cidade, com a neve que caia. Pegamos um táxi e ficou dizendo o caminho inteiro em como os alemães são lindos, a Alemanha é linda e que eu parecia com todos os caras que estavam na rua. Eu ria e beijava sua boca a cada bobagem que falava. Entramos em casa. Deixei nossas malas com a empregada. Mostrei seu quarto e fui deitar-me na cama. Minha cabeça girava. Somente queria dormir sem ser incomodado por qualquer pessoa.
Cinco meses haviam se passado e quase nada tinha mudado. Ela me conhecia melhor, conversávamos mais a vontade. Não tinha coragem de tocá-la, de beijá-la, qualquer coisa. Isso me matava. Meu desejo me consumia aos poucos. Não conseguia fazer nada com ela, muito menos com qualquer outra. Não sabia como seria sua reação se eu a beijasse. Bill achava uma bobagem. Ele sempre dizia: "Se ela te amou antes, pode te amar agora." Estava frio, mas Berlim fervia. Passamos pelo Brasil em Agosto, pelos Estados Unidos em Outubro. E agora, estávamos de volta. Estava com medo de que ela não se lembrasse de nada. Era Natal, no espelho observava-me. Meus cabelos não estavam compridos como há sete anos. Estava um pouco mais magro. "Deveria voltar para a academia" pensei e ri sozinho na frente do espelho. Desci as escadas em direção a sala. A vi lá embaixo acendendo a fogueira. Estava linda. Vestido preto, justo e um pouco curto. Os saltos altos a deixavam um pouco alta, mas baixinha o bastante perto de mim. Virou-se e sorriu ao me ver. "Tom!" disse, vindo em minha direção. Meu coração estava no peito. "O Bill acabou de chegar" pegou na minha mão e me puxou em direção as pessoas na sala. A enorme árvore de Natal cintilava perto da fogueira. Sentei ao lado do meu irmão. "O que temos na ceia, Tom? Cozinhou para gente?" perguntou minha cunhada, rindo. Ela sabia que eu era um desastre na cozinha. "Não, querida. Deixei que a Rosalie fizesse nossa comida hoje." Sorri enchendo a taça de champanhe. "A Rosalie fez ótimos camarões e lagarto." Natalie disse, bebendo o resto do vinho presente no seu copo.
Já se passava da uma da manhã quando sentamos em volta da árvore para entregar os presentes. Peguei o meu, uma caixa vermelha, e entreguei à ela. Segurou a caixa, sorrindo ao puxar os laços feitos. Abriu a pequena caixa e arregalou os olhos quando viu um colar de ouro com pequenos diamantes. "É lindo, Tom. Deve ter custado uma fortuna." Sim, era esse seu jeito de agradecer. Entregou-me o colar e permitiu-me que colocasse em volta do seu pescoço. "Amei. É lindo. Isso deixa o meu presente lá embaixo. Mas, afinal, o que se dá a alguém que tem tudo?" Procurou seu presente no meio dos vários e me entregou. Abri a média caixinha. Lá dentro havia uma guitarra de vidro. Artisticamente linda e a sua volta havia um pingente de ouro que abria e lá dentro via-se uma foto. Era eu e ela rindo. A foto foi tirada há um mês em Los Angeles. Amando o presente, agradeci com um abraço. Essas coisas simples que eu queria que ela não tivesse esquecido.
Sentados no sofá, bebendo vinho e ouvindo música, depois que todos foram embora, conversávamos sobre coisas que haviam acontecido no dia. "Você viu a travessura que seu irmão fez na mesa, Tom?" perguntou, enchendo novamente meu copo. "Não, o que foi?". "Ele derrubou um camarão debaixo da mesa. Como ele não queria que ninguém visse, ele chutou o camarão para longe e este foi parar debaixo do móvel. A Rosalie vai brigar contigo amanhã." Sorri, bebendo um gole do vinho. "Ela vai brigar com o Bill, ela sabe que eu não faço essas coisas". Ela riu e levantando do sofá disse que ia dormir. Na metade da escada, ela parou e olhou-me "Você não vai subir?". "Não agora, vou ficar aqui mais um pouco." respondi. "Tudo bem. Tom, deixa eu te perguntar." disse, apoiando-se no corrimão da escada. "Você me contou pouca coisa sobre nós antes do acidente. Como era nosso relacionamento antes disso tudo?". Olhei para ela, pegando um pouquinho da coragem lá do fundo e disse: "Éramos um ótimo casal. Tivemos alguns problemas no começo por nossa agenda não se bater muito, mas quando nos encontrávamos ficávamos um mês grudados, na cama, conversando e rindo. Nos amávamos muito." Sem dizer qualquer coisa, virou as costas e subiu.
No dia 31 a neve se intensificava. Todo mundo já estava no último andar do hotel para ver a chuva de fogos. Fui à janela, Natalie observava as coisas lá fora. Quieta demais, silenciosa demais. "Eu amo essa visão." disse ao perceber minha presença. "É linda." Sorri. Sua mão encostou na minha e sem que eu percebesse ela entrelaçou nossos dedos. Ficamos assim um tempo. Olhando a linda vista e um acariciando a mão do outro. "Tom", quebrou o silêncio. Senti que sua mão suava, mas não disse nada. "Eu te amo." sussurrou, antes de eu dizer algo continuou. "Eu te amei antes, por que você acha que eu não poderia te amar agora? Eu amo você, Tom. Não sei se é diferente, mas sei o que sinto por você agora", terminou e saiu dali em direção a mesa de refeição. Meu coração estava aliviado. Olhei para a mulher sentada na mesa e sorri por saber que ela poderia me amar apesar de tudo.
Quando chegamos em casa, chamei-a para conversar na sala. Sentamos no pequeno sofá e sem saber por onde começar, perguntei: "Você disse que me ama, certo? Você me ama por que acha que deve me amar?". Ela segurou minha mão e lentamente respondeu: "Não, Tom. Eu não disse que te amo porque acho que devo te amar. Faz cinco meses que tudo isso aconteceu, acha que não é tempo suficiente para eu te amar de novo?". Olhei para ela passando os dedos pelo seu rosto. "Eu te amo tanto. É suficiente, eu te amei nos primeiros dois meses." Natalie sorriu. "Eu te amo tanto, Tom." Coloquei minhas mãos no seu rosto, puxei-o para o meu e beijei seus lábios com toda a vontade. Ela puxou meu corpo pela camisa, colando nossos corpos. Deitei-a no sofá, beijando seu pescoço, rosto e boca. Sussurrei em seu ouvido que a amava. Ela deixou suas mãos em minhas costas, tirando minha camiseta. Por um momento, parou de fazer tudo que estava fazendo, olhou para mim e disse: "Eu lembrei, Tom. De tudo." Arregalei os olhos e antes mesmo de dizer algo, ela beijou-me e nos amamos loucamente ali no sofá, depois subimos e fizemos tudo de novo na cama.

13 de set. de 2010

Broken


Você quebrou algo dentro de mim, me fez ter o que eu não tinha antes: Sentimentos.

8 de set. de 2010